17 janeiro, 2012

Poema da dúvida




Nesta sombra em que vivo,
Sonho que me aparecerás,
Numa hora extática...
E ando a esperar-te, noite por noite...
Sonho que te hei de ver,
Todo vestido de ouro,
Com os cabelos carregados de estrelas
E as mãos enfeitadas de luas...
Sonho que descerás a ver-me,
De tanto me ouvires
Cantar e louvar
O teu nome...
Nesta sombra em que vivo,
De te evocar,
É como se já tivesse vindo...
Como se houvesse visto os teus olhos,
Que devem ser a própria alma da luz...
Como se houvesse tocado o teu gesto,
Que deve ser o grande ritmo dos mundos...
Como se houvesse adorado o teu coração,
Onde morrem todos os corações que viveram
E de onde nascem todos os corações...
Nesta sombra em que vivo,
Sofro por seres assim irreal,
Assim tão além do que se pode pensar...
Sofro porque nem sei
Quando haverá, nos meus olhos,
Luz com que te veja
E com que te adore
Nesta sombra em que vivo,
Por que não me apareces,
Numa hora extática,
Se sabes que te ando a esperar,
Noite por noite!...

Cecília Meireles

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