Um dos gritos modernos mais importantes em favor do homem é o de Julia Kristeva, uma das mais brilhantes e respeitadas intelectuais da atualidade.
A psicanalista búlgara, professora da Sorbonne, constata que o homem moderno está perdendo a sua alma, mas não se dá conta disso.
A princípio, quem estiver lendo pode achar que essa perda é um desencontro com Deus, um abandono do espírito e horrorizar-se.
Não, nada a ver.
Não dizem que tal cantor fez o show com a alma?
Que a atriz interpretou colocando sua alma no palco?
Na nossa alma estão as emoções mais puras, a intuição, os sonhos, o sentido (além dos sentidos), o talento virgem, os sentimentos.
A habilidade de amar, por exemplo, é um grande sinal anímico.
Ou alguém é capaz de amar, de amar mesmo, sem que seja através da alma?
Pode-se ter simpatia, carinho, atenção, atração física, até um certo envolvimento gostoso, mas amor é alma e fim de papo.
Mas por que essa fabulosa mulher clama que estamos perdendo a nossa alma?
O faz através desta instigante questão:
‘‘Confrontada aos antidepressivos e ansiolíticos, à aeróbica, ao utilitarismo social, à Sociedade do Espetáculo, ao poderio econômico, ao massacre da mídia e à absoluta futilidade, a alma ainda existe ?’’
Justamente na medida em que banalizamos esta vida a um ponto inacreditável, tornando-a um instrumento, um objeto, quase um eletrodoméstico que trabalha ininterruptamente em favor de um resultado ou daquilo que se espera dele por parte de quem o manuseia constantemente.
Banalizar é colocar-se por inteiro no padrão externo, nada deixando resguardado.
Gostaria muito que vocês se lembrassem deste apelo: não podemos passar a existência no desperdício único da prestação de serviços!
Como isso é sério gente!
Fundamental para o resguardo da nossa alma é a consciência de que uma parte de nós não entra no mundo.
Ou seja, há uma parte sua que não é casada com ninguém, que nunca teve filhos, que não é profissional de nada, brasileiro, paulista, membro desta ou daquela entidade.
Uma parte saudavelmente intacta.... Aí vive a nossa alma.
Fica então um pedido : Dê 80% de você para o mundo e para os outros, mas guarde 20%, por favor.
É por esse percentual que circulam os seus sonhos, a chance de renovação, a transformação, a criatividade, a possibilidade de mudar, renovar, re-significar.
Mesmo que isso custe o chamado de ‘‘egoísta’’ por parte dos outros, ainda que todos os elogios que lhe façam estejam apenas nos 80%.
Tenha a certeza de que os 20% guardados não farão a menor falta para os outros, mas, para você, são fundamentais.
Para que não descubra tarde demais que nada fez por si mesmo, para o derramar-se no inédito e não cair na massificação total, no desconstruir-se em nome do nada, para ter o que entregar ao espírito, o correspondente da alma num outro plano, quando surgir a pergunta... "O que fizeste por ti ?".