"Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que são as delícias dos gastrônomos.
Podem ser comidas cruas, de pingos de limão, com arroz, paellas, sopas.
Sem defesas - são animais mansos - seriam uma presa fácil dos predadores.
Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.
Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras.
Eram ostras felizes.
Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas, saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música.
Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário...
Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste...
As ostras felizes riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão..." Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía.
E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia.
Mas era possível livrar-se da dor.
O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.
Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava.
Um dia passou por ali um pescador com seu barco.
Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada.
O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra.
Ele tomou-a em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade; era uma pérola, uma linda pérola. Apensa a ostra sofredora fizera uma pérola.
Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz..."
Ostra feliz não faz pérolas.
Isso vale para as ostras,e vale para nós, seres humanos.
As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida e fazem bem.
Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver.
Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas.
Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico.
Raramente é sofrimento físico.
Na maioria das vezes são dores da alma.
Rubem Alves
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