A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água , O mesmo que criar peixes no bolso.O menino era ligado em despropósitos.Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.Falava que os vazios são maiores e até infinitos.Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira, Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.O menino aprendeu a usar as palavras.Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.E começou a fazer peraltagens.Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.O menino fazia prodígios.Até fez uma pedra dar flor!A mãe reparava o menino com ternura.A mãe falou:Meu filho você vai ser poeta.Você vai carregar água na peneira a vida toda.Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos. Manoel de Barros
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