A tarde ia já um tanto avançada, mas a brisa gelada do outono ainda não tinha chegado. A temperatura estava morna e o sol um tanto tímido, ainda aquecia a paisagem geral.Não gostava mais daquela cidade, antes eu a amava, ela era tranquila e aconchegante, agora os carros disputavam vagas nas ruas onde antes, amarrávamos os cavalos depois de desmontar.Agora os rostos estavam diferentes, estranhos, não encontrava mais os sorrisos amigos, as pessoas conhecidas, tudo parecia amargo, sujo, apressado.Nas casas, haviam muros pintados com escritas de propagandas onde antes eram limpos e claros, tudo parecia muito poluído, feio, opaco. Apressei o passo para alcançar meu carro e ir embora, já não tinha mais nada para fazer ali e queria voltar para a cidade onde estava morando agora.Foi no exato momento em que atravessei a rua, um carro passou por mim, e numa fração de segundo eu vi. Vi os olhos da criança que ia sentada no banco de trás, eram olhos tranquilos de alma entregue, olhos de quem sabe que está sendo cuidada, que se ocupa apenas e tão somente, com o quê vai brincar depois.Aqueles olhos, me levaram embora dali, me atiraram em um passado tão recente e ao mesmo tempo tão distante, um passado irrecuperavelmente perdido, sem a menor chance de voltar. "A Maria e as meninas".Eu, e as minhas duas filhas menores, senti o cheiro e a sensação da época em que elas eram pequenas como a dona daquele par de olhos, sentada no banco traseiro daquele carro.Revi a inocência do olhar delas, a maciez da pele de seus rostos, suas mãozinhas tão bonitas, senti o perfume de seus cabelos, até ouvi o som de suas vozes. Minha mente varreu todas as ruas e lugares daquela cidade, onde eu estivera com elas. Éramos sempre nós três "A Maria e as meninas"...Assim éramos conhecidas, estávamos sempre juntas, íamos a todos os lugares juntas, e em lugares em que criança não pode ir, eu não ia também. Estar com elas era a minha vida, não havia ninguém mais, morávamos nós três apenas. A imagem da chácara me veio à mente, com a mesma rapidez que as outras lembranças. Como pode ser que, em um milésimo de segundo eu tivesse podido retornar a aquela época com tamanho realismo?Meu coração quase saiu pela minha boca, meus olhos se encheram de lágrimas, quase gritei para o carro...Espere não vá! Numa louca ilusão de querer ficar um pouquinho mais com as meninas. Será que se eu conseguisse ficar um pouquinho mais, poderia abraçar as minhas meninas novamente?Mas, eu não gritei e nem o carro parou, e tudo acabou.Alcancei meu carro e tomei a estrada rumo a minha casa, agora as meninas são mulheres, agora elas quase já não me ouvem mais, seguem seus caminhos, agora tem o netinho, agora não é mais "A Maria e as meninas".Enxuguei as lágrimas, e sorri agradecida pela lembrança, enquanto entendia que, agora tenho o abraço de duas mulheres amadas, agora tenho o sorriso e o olhar de um neto adorado. Agora, ainda agora, posso ver a estrada a minha frente, posso aspirar o cheiro da mata, posso fazer um bolo de chocolate, posso rir com meu neto, o meu "Pequeno Urso" como o chamo.É, eu estive enganda, ainda continuo sendo, ainda sou... " A Maria e as meninas".
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